As palavras sempre me seduziram. Talvez, porque elas me levassem a uma outra realidade que superava a aridez da
terra onde nasci e vivi minha adolescência. No pequeno povoado, no semiárido
nordestino, as palavras ora chegavam por cantorias, rezas, bendizeres, nas
missões em busca de água para sobreviver a mais uma seca; ora vinham impressas
em jornais velhos, curtidos pelo tempo.
Chegavam para embrulhar as
compras na mercearia do meu pai, pequenos objetos, alimentos. Entretida no meio
da leitura, só ouvia meu pai falar: traga o jornal, preciso embrulhar o
arroz! E a reportagem com o sucesso dos Titãs seguia para a casa do vizinho.
Mesmo com atraso, os jornais traziam
novidades e me faziam encontrar mundos desconhecidos. Para além da mercearia,
da igreja, da escola, descobri que havia um mar de coisas a se desbravar. As
palavras impressas me conduziam aos lugares que não conhecia, cidades,
montanhas, a gente de toda parte... Em pleno sertão, a leitura me fazia
enxergar possibilidades infinitas, todo um universo com luz, cor, cheiros e
vida.
Assim, descobri a leitura, assim
recriava histórias. Certo dia, li um trecho do livro de Clarissa, de Érico
Veríssimo. E passei a copiar como se fosse a autora do texto, criava
parágrafos, histórias vividas. Lembro que entreguei o texto a um amigo que me
disse: você escreve coisas bonitas. Mas eram histórias inventadas, histórias
que me permitiam criar um mundo imaginado.
Um dia, apareceu em minha casa uma
raridade. O livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. Não sei como
aconteceu, mas o livro fora vendido na feira junto com os cordéis, o saco de
farinha, as verduras. Deve ter sido uma das primeiras edições do livro, porque
o papel não tinha qualidade, feito com páginas amareladas, era velho. E ao
mergulhar na leitura, descobri que todos nós latino-americanos temos um pouco
de Macondo ou desejamos que a nossa vida seja uma invenção.
As histórias da família
Buenida-Iguaran pareciam ter saído do universo da minha pequena comunidade, com
suas pequenas alegrias, tragédias e alegorias fantásticas. Era o povoado do
Saquinho, no sertão baiano de Paripiranga, transportado para Macondo. Não era
igual. Claro, era completamente diferente.
Naquele momento descobri que a
leitura é capaz de nos recriar, de nos transportar, de ousar sonhar e imaginar
coisas. E assim fui me encantando com as palavras, porque elas me conduziam a
um mundo fantástico e me colocavam no lugar do outro.
Com o tempo, contraditoriamente,
descobri que o mundo da escrita me põe medo, porque, ao colocar no papel as
palavras impressas, um pouco de nós também fica. Como no espelho de Alice, no
país encantado das maravilhas, tenho medo de ser capturada. E de não saber se
sou real ou uma invenção.
Andréa Cristiana