domingo, 31 de março de 2019

55 anos de uma ditadura que matou, torturou, dilacerou


Em busca de destruir o minotauro que ameaçava a existência de todos, Teseu se desafiou a percorrer o labirinto e nunca mais retornar ao local de partida. Ariadne pôs-se na tarefa de coser um fio e o entregou a Teseu. Enquanto percorria o labirinto, o fio de Ariadne manteria o elo entre o passado e o presente, a memória que seria evocada diariamente, o testemunho de que era preciso lembrar do que vivera e deixara em terras firmes.

Lembrar para não esquecer. Esse deve ser o nosso exercício diário, pois o ato de lembrar nos impele a combater os discursos retóricos que só servem para aqueles que assumem o Estado a construir narrativas que lhe são convenientes, e sobretudo a mentir, enganar, tripudiar. É o que vivemos no atual momento. A decisão do presidente da República, Jair Bolsonaro, de autorizar que as Forças Armadas comemorem a ditadura civil-militar de 1964 é uma afronta à memória histórica e, sobretudo, à vida de homens e mulheres que foram torturados e seviciados. É uma agressão aos filhos de pais e mães desaparecidos e assassinados pela ditadura. É uma violação a nossa história, ato que deve ser repudiado veementemente pelos que têm respeito à vida humana.

Como tem sido uma prática comum desde a campanha eleitoral, o presidente e alguns de seus correligionários querem reescrever a história a respeito da ditadura militar, recuperando a trajetória de torturadores. Isso - por si - já deveria ser repudiado por todos, pois nenhuma disputa de poder deve negar o princípio civilizatório do dever à verdade histórica.

É preciso puxar o fio de Ariadne e trazer o passado ao presente para lembrar de cidadãos que foram presos injustamente. Aqui, em Juazeiro, a partir de 31 de março de 1964, tivemos a caça aos que eram chamados de subversivos. Foi assim que as forças de segurança local e do Estado trataram o mestre Osvaldo Gomes, marceneiro e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Fluviais e Marítimos, o alfaiate Antônio Bigodinho, os irmãos trabalhadores fluviários José e Benedito Pereira; o professor de matemática, Chico Romão; o vereador e radialista Jorge Gomes. Assim como ocorreu em Juazeiro, aconteceu em todo o país. Era preciso prender aquele que se julgava “inimigo interno da nação”, invariavelmente todo aquele que se identificava com a luta por direitos sociais.

Em comum, todos foram acusados de propagar ideias comunistas e de se organizarem em associações de assistência ao trabalhador. Uma retórica discursiva que ajudou as elites nacionais e militares a ficarem 21 anos no poder. Mestre Osvaldo ficou 18 meses preso, afastado da família e renegado socialmente. A Comissão da Anistia, instalada pelo Ministério da Justiça, a partir do ano de 1995, comprovou que ele foi preso, simplesmente, por ser dirigente sindical. Foi preso porque, em uma ditadura, o direito à verdade deixa de existir.

É o que estamos presenciando com essa decisão de celebrar os 55 anos da ditadura civil-militar. Querem que a gente esqueça que pessoas foram mortas, assassinadas. Querem sobretudo nos calar. Mas é preciso insistir em narrar os fatos e acontecimentos históricos tal como eles foram para que as gerações futuras não esqueçam que mulheres e homens foram presos, torturados, mortos. É preciso assumir o compromisso de não compactuar com mortes e desaparecimentos. O Estado brasileiro assumiu essas mortes e desaparecimentos. Não há de haver nenhum Presidente da República que nos faça esquecer. Não há de haver nenhum professor em sala de aula reproduzindo mentiras. Façamos o exercício de não nos perdemos no labirinto da mentira e das falsas celebrações. É preciso retomar o fio que nos conecta ao passado, a memória e a história de vida de cada um que morreu ou foi torturado pela ditadura civil-militar.

Em tempo: a jornalista Karem Moraes produziu uma série de reportagens para o Gazzeta do São Francisco no ano de 2012 sobre cidadãos juazeirenses que foram presos e mortos. Foi um trabalho jornalístico inédito que narra atos de repressão promovidos pelo Estado. 

Andréa Cristiana Santos é jornalista e professora da Uneb/Juazeiro

55 anos de uma ditadura que matou, torturou, dilacerou

Em busca de destruir o minotauro que ameaçava a existência de todos, Teseu se desafiou a percorrer o labirinto e nunca mais retornar ao lo...