Um dia, percorrendo os sebos à procura de um livro, deparei-me com alguns escritos do mexicano Octávio Paz. De cara, o livro tem um título instigante: A dupla Chama: amor e erotismo. Amarelado pelo tempo, o livro de cor vermelha chama a atenção para algo que desperta curiosidade desde os tempos remotos: o amor, esse sentimento que nos atrai, entrelaça destinos, aproxima e convida para a vida.
Sentimento esse que surge a partir da chama vermelha do erotismo, por isso é dupla. Sem a chama do erotismo, dificilmente o amor sobreviveria. Há pessoas que podem pensar o contrário e apostar na amizade. Contudo, amor e amizade são sentimentos distintos.
Em uma das páginas do livro, o escritor mexicano diz que tanto o amor como a amizade são afetos escolhidos livremente, não são impostos. Somos amigo de uma pessoa, não de uma multidão. É ridículo pensar que somos amigos do gênero humano. Amizade exige cumplicidade, presença.
A amizade sem reciprocidade é impossível. Imagine, ter amigos sem devotar a mínima consideração! Já quanto ao sentimento amoroso, podemos amar alguém, e não receber a mesma devoção. É triste, mas há pessoas que apenas amam, não são amadas. Porém, são escolhas que a vida nos traz e aceitamos, se assim desejarmos.
Já a amizade nasce de um sentimento mais complexo, a afinidade nas ideias, nos sentimentos ou nas inclinações. Como diz Octávio, no começo do amor, há a surpresa, o descobrimento da outra pessoa a quem nada nos liga senão a indescritível atração física, espiritual. O amor pode nascer de uma flechada, a amizade do intercâmbio frequente e prolongado. A amizade requer tempo. O amor é instantâneo.
Assim, ao longo dos anos, escolhemos os amigos, quase como uma extensão do nosso corpo, a quem buscamos para acalantar a alma, para aconselhar, para perdoar, para contar histórias, rir, chorar. A amizade é uma virtude eminentemente social, duradora, como procura refletir Octávio Paz. Já o sentimento amoroso é sempre uma ruptura, pode desafiar convenções, unir os amantes em um mundo particular. O afeto amoroso não aceita a partilha. Somente um amigo pode nos oferecer isso.
Nem mesmo quando a desventura amorosa assombrar os amantes, é impossível pensar em transformar o antigo afeto em amizade sincera, verdadeira. Pode ser algo semelhante, mas é outro sentimento.
Mesmo diferentes, complementares, cada um dos afetos pode despertar o que há de melhor no nosso ser. Não importa onde estejamos, como somos, o que nos define e nos conforma é a capacidade que temos de fazer amigos, de amar e compartilhar sentimentos. Sem amigos, estamos à deriva, como um barco desgovernado. O amor é o cais, que queremos aportar.
Foto de Dilton Oliveira, professor da UFBA.
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